quarta-feira, 3 de junho de 2009

Teologia da Libertação, luz para a realidade e caminho para a prática pastoral

Um olhar atento e crítico para a atual realidade faz-nos deparar com de duas situações que vêm se perpetuando há muito tempo: o crescimento da pobreza e a desigualdade social. Basta percebermos o grande abismo que separa ricos e pobres e o contexto de falta de oportunidades que atinge esse segundo grupo. É perceptível aos olhos de qualquer um a realidade de exclusão daqueles que sempre estiveram à margem, como os pobres, negros, mulheres, indígenas e tantos outros, vitimados por toda uma estrutura social que é moldada pelo crescente individualismo e o interesse desenfreado no lucro. Esse contexto apresentado nos leva a tomar consciência das contradições da nossa sociedade e, principalmente, como a nossa condição de cristãos e a vivência de nossa fé nos questionam e nos desafiam a assumirmos uma postura iluminadora que aponte caminhos para a construção de um novo modelo de sociedade e uma Igreja comprometida com a promoção de seu povo.

Do ponto de vista eclesial, essa realidade nos leva a perguntar-nos: como nossa prática cristã tem contribuído para superar tal situação? Esse questionamento é algo que sempre ficou a nos provocar. Na Igreja latino-americana podemos apontar o surgimento não de uma nova teologia, mas de um “novo jeito de fazer teologia”, fundamentado numa compreensão e vivência da fé calcada na realidade, ou seja, uma nova forma de viver a experiência da fé que nos fortalece e nos possibilita buscar meios para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. É o nascimento da Teologia da Libertação.

A Teologia da Libertação surge na década de 60 a partir de um contexto histórico marcado por muitas contradições. A América Latina vive um momento de emergência das ditaduras militares, no qual são podadas a liberdade de expressão e toda forma de oposição a esse regime político. No campo eclesial temos a realização de um grande marco que é o Concílio Vaticano II. Este significou a abertura da Igreja para o diálogo com a modernidade e uma intervenção maior dentro da realidade social. No campo da cultura vários movimentos surgem como forma de expressão de contrariedade à ordem social vigente, como o Tropicalismo. Esses são alguns acontecimentos que nos ajudam a perceber como todo esse ambiente favoreceu o nascimento de uma teologia comprometida com a transformação da realidade na busca por uma sociedade mais justa e uma Igreja comprometida com os empobrecidos.

A partir do que foi retratado acima, percebemos que esse foi um “chão” propício para o nascimento da Teologia da Libertação como “um movimento teológico que quer mostrar aos cristãos que a fé deve ser vivida numa práxis libertadora e que ela pode contribuir para tornar esta práxis mais autenticamente libertadora (MONDIN, 1980, p.25). O termo libertação foi cunhado a partir da realidade cultural, social, econômica e política sob a qual se encontrava a América Latina, a partir das décadas de 60/70 do último século. Os teólogos desse período, católicos e protestantes, assumiram a libertação como paradigma de todo fazer teológico”.

Essa teologia “utiliza como ponto de partida de sua reflexão a situação de pobreza e exclusão social à luz da fé cristã. Essa situação é interpretada como produto de estruturas econômicas e sociais injustas” e a realidade de pobreza “é denunciada como pecado estrutural, por isso se propõe o engajamento político dos cristãos na construção de uma sociedade mais justa e solidária. Uma característica da Teologia da Libertação é considerar o pobre, não um objeto de caridade, mas sujeito de sua própria libertação. Assim, seus teólogos propõem uma pastoral baseada nas comunidades eclesiais de base, nas quais os cristãos das classes populares se reúnem para articular fé e vida, e juntos se organizam em busca de melhorias de suas condições sociais, através da militância no movimento social ou através da política, tornando-se protagonistas do processo de libertação. Além disto, apresentam as Comunidades Eclesiais de Base como uma nova forma de ser igreja, com forte vivência comunitária, solidária e participativa.”

A compreensão de Teologia da Libertação como vivência de fé comprometida com a transformação social nos ajuda a percebê-la como luzeiro que ilumina nossa prática pastoral. A partir disso “podemos dizer que Pastoral é uma ação transformadora voltada para o trabalho da Igreja missionária, atividades comunitárias e sociais, ensinando e aprendendo os valores cristãos. Pastoral é a ação da Igreja no mundo, onde devemos levar em consideração a pessoa no seu todo: espiritual, biológica, social, econômica e culturalmente.”

Isso nos ajuda a compreender prática pastoral como a ação concreta da Igreja que, diante de uma determinada realidade, tem por objetivo apontar luzes e agir em favor da promoção da pessoa humana, em sinal de fidelidade ao legado que Jesus nos deixou: “que todos tenham vida em abundância” (Jo 10,10). Somos desafiados a buscar uma compreensão de fé mais comprometida com a evangelização e a ação no mundo, como nos fala o Documento Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI: “É impossível aceitar que a obra da evangelização possa ou deva negligenciar os problemas extremamente graves, agitados sobremaneira hoje em dia, pelo que se refere à justiça, à libertação, ao desenvolvimento e à paz no mundo. Se isso porventura ocorresse, seria ignorar a doutrina do Evangelho sobre o amor para com o próximo que sofre ou se encontra em necessidade”.

Teologia da libertação aliada à prática pastoral é um instrumento que nos ajuda ver a realidade a partir dos olhos de Deus, revelado nos pequeninos e marginalizados da nossa sociedade. É um sinal de luz que nos aponta caminhos e nos faz perceber que nossa prática pastoral só faz sentido na medida em que nos motiva a lutar pela construção de uma sociedade justa e solidária e uma Igreja verdadeiramente comprometida com a construção do Reino, que seja, de fato, “casa” de todos aqueles que acreditam na utopia de um mundo novo construído a partir da igualdade e relações fraternas. Eis aí o desafio lançado: fazer de nossa ação pastoral um caminho de libertação e promoção da pessoa humana.

Um comentário:

  1. "Eis aí o desafio lançado: fazer de nossa ação pastoral um caminho de libertação e promoção da pessoa humana."
    Maicon...o desafio que você lança no final do texto possibilita que o leitor se sinta interpelado.
    Oxalá, todas as nossas ações sejam para maior glória de Deus... e "a glória de Deus é o ser humano VIVO"!!!
    Abraço, Roberta

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