(Uma leitura pastoral do livro do Apocalipse)
Ao longo de toda a história do povo de Deus vemos grandes orações, muitas surgidas em contextos de tribulação. São salmos de súplica, clamores, gritos de esperança do povo. O autor do Apocalipse ao narrar o sofrimento e a perseguição, nesta grande liturgia, deixa ao longo do caminho orações, hinos, cânticos, que dão o “tom” celebrativo ao livro e exprimem seu caráter litúrgico, o que colabora para que as comunidades que vão ler possam rezar compreendendo o mistério e a ação de Deus para com o povo sofrido.
A comunidade vive num contexto de perseguição, opressão e violência por parte do Império. Resistir parece impossível, rebelar-se um erro. O que fazer? Render-se ao sistema injusto que oprime e escraviza? O autor do livro acredita que uma atitude de “rebeldia” é possível. Testemunhar a Palavra e buscar a justiça se faz necessário, e a força para resistir se encontra na oração que ajuda a comunidade ter ânimo e perceber que a vitória está garantida na ressurreição de Jesus. O “Cordeiro de pé” fortalece e dá esperança à comunidade. O sofrimento e o martírio podem vir, mas aqueles que têm as “vestes alvejadas no sangue do Cordeiro” terão a vitória. É questão de paciência.
A realidade de hoje não é muito diferente da vivida pelo povo do Apocalipse. Um sistema injusto, idólatra e perverso tenta controlar as pessoas. Dotado de uma ideologia que não leva em consideração o bem comum, mas o prazer, o poder e a satisfação pessoal, ele mina as organizações que pensam diferente, e coloca de lado pessoas e grupos que não o seguem, não acreditam ou não podem fazer parte dele. A dominação econômica é um dos seus pilares e a mídia o seu grande “profeta”. Controlando as consciências e anestesiando o povo, o sistema se alastra por toda a sociedade de forma que pensar estar fora dele parece impossível e destruí-lo inacreditável.
O tempo presente, ainda em parte regido pela era da razão, cede espaço ao encontro com o transcendente. A busca por preencher o vazio existencial se faz por diversas formas de vivência do sagrado. Entretanto, muitos têm se voltado para uma religião mais individual ou manifestações místicas, onde a dimensão comunitária não existe, a responsabilidade e o compromisso é apenas entre o “eu” e Deus.
Diferente do que vem acontecendo, o Apocalipse propõe uma experiência comunitária encarnada na realidade. Uma realização na vivência litúrgica no agora, mas plenamente no que virá. É uma esperança de libertação que acontece na vitória de Jesus na cruz e que se consuma na “Nova Jerusalém”. O convite é a se distanciar da realidade, a fugir do domínio opressor ideológico que produz morte e a resistir na oração e no louvor a fim de que alcancemos a vida e a plenitude na vitória do Cordeiro. Ainda que aparentemente estejamos “perdidos”, a “subida”, à que a oração nos conduz, ajuda a contemplar a ação de Deus na história e a ter certeza da vitória que Cristo nos garante, pois a batalha contra o mal já foi vencida.
A vida cotidiana, portanto, deve ser alimento de nossas orações e liturgias, que na pessoa de Jesus ganha expressão e se transfigura. As celebrações devem nos ajudar a olhar diferente para o tempo presente contemplando a ação salvífica de Deus. A realidade nos impulsiona a rezar - os conflitos, perseguições e opressões criam em nós essa necessidade. A certeza, porém, da vitória de Jesus, lança luz sobre nós e nossa realidade e nos leva a louvar e cantar hinos, que na sua simplicidade, mas profundidade, revelam nossa alegria:
“É hoje o dia da alegria e a tristeza nem pode pensar em chegar.
Cristo ressuscitou, verdadeiramente Ele ressuscitou”.
Muito boa reflexão Paulo!!
ResponderExcluirAcredito que uma verdadeira liturgia deve ser, mais do que um conjunto de ritos, verdadeiro sinal do Cristo ressuscitado vivo e presente no meio da comunidade; fonte de ânimo e encorajamento na caminhada frente aos desafios que a realidade nos apresenta.
Meu irmão...
ResponderExcluirGostei muito do texto, uma reflexão muito bem feita e uma ótima atualização... Realmente precisamos trazer nosso cotidiano pra nossa liturgia. As vezes rezamos totalmente fora da realidade, quando na verdade deveríamos rezar a vida. Que outros tenham essa percepção de nossa forma de oração. Continue escrevendo...