domingo, 13 de setembro de 2009

Rezar em tempo de perseguição: mais que uma possibilidade, uma necessidade


(Uma leitura pastoral do livro do Apocalipse)


Ao longo de toda a história do povo de Deus vemos grandes orações, muitas surgidas em contextos de tribulação. São salmos de súplica, clamores, gritos de esperança do povo. O autor do Apocalipse ao narrar o sofrimento e a perseguição, nesta grande liturgia, deixa ao longo do caminho orações, hinos, cânticos, que dão o “tom” celebrativo ao livro e exprimem seu caráter litúrgico, o que colabora para que as comunidades que vão ler possam rezar compreendendo o mistério e a ação de Deus para com o povo sofrido.

A comunidade vive num contexto de perseguição, opressão e violência por parte do Império. Resistir parece impossível, rebelar-se um erro. O que fazer? Render-se ao sistema injusto que oprime e escraviza? O autor do livro acredita que uma atitude de “rebeldia” é possível. Testemunhar a Palavra e buscar a justiça se faz necessário, e a força para resistir se encontra na oração que ajuda a comunidade ter ânimo e perceber que a vitória está garantida na ressurreição de Jesus. O “Cordeiro de pé” fortalece e dá esperança à comunidade. O sofrimento e o martírio podem vir, mas aqueles que têm as “vestes alvejadas no sangue do Cordeiro” terão a vitória. É questão de paciência.

A realidade de hoje não é muito diferente da vivida pelo povo do Apocalipse. Um sistema injusto, idólatra e perverso tenta controlar as pessoas. Dotado de uma ideologia que não leva em consideração o bem comum, mas o prazer, o poder e a satisfação pessoal, ele mina as organizações que pensam diferente, e coloca de lado pessoas e grupos que não o seguem, não acreditam ou não podem fazer parte dele. A dominação econômica é um dos seus pilares e a mídia o seu grande “profeta”. Controlando as consciências e anestesiando o povo, o sistema se alastra por toda a sociedade de forma que pensar estar fora dele parece impossível e destruí-lo inacreditável.

O tempo presente, ainda em parte regido pela era da razão, cede espaço ao encontro com o transcendente. A busca por preencher o vazio existencial se faz por diversas formas de vivência do sagrado. Entretanto, muitos têm se voltado para uma religião mais individual ou manifestações místicas, onde a dimensão comunitária não existe, a responsabilidade e o compromisso é apenas entre o “eu” e Deus.

Diferente do que vem acontecendo, o Apocalipse propõe uma experiência comunitária encarnada na realidade. Uma realização na vivência litúrgica no agora, mas plenamente no que virá. É uma esperança de libertação que acontece na vitória de Jesus na cruz e que se consuma na “Nova Jerusalém”. O convite é a se distanciar da realidade, a fugir do domínio opressor ideológico que produz morte e a resistir na oração e no louvor a fim de que alcancemos a vida e a plenitude na vitória do Cordeiro. Ainda que aparentemente estejamos “perdidos”, a “subida”, à que a oração nos conduz, ajuda a contemplar a ação de Deus na história e a ter certeza da vitória que Cristo nos garante, pois a batalha contra o mal já foi vencida.

A vida cotidiana, portanto, deve ser alimento de nossas orações e liturgias, que na pessoa de Jesus ganha expressão e se transfigura. As celebrações devem nos ajudar a olhar diferente para o tempo presente contemplando a ação salvífica de Deus. A realidade nos impulsiona a rezar - os conflitos, perseguições e opressões criam em nós essa necessidade. A certeza, porém, da vitória de Jesus, lança luz sobre nós e nossa realidade e nos leva a louvar e cantar hinos, que na sua simplicidade, mas profundidade, revelam nossa alegria:

“É hoje o dia da alegria e a tristeza nem pode pensar em chegar.
Cristo ressuscitou, verdadeiramente Ele ressuscitou”.

2 comentários:

  1. Muito boa reflexão Paulo!!

    Acredito que uma verdadeira liturgia deve ser, mais do que um conjunto de ritos, verdadeiro sinal do Cristo ressuscitado vivo e presente no meio da comunidade; fonte de ânimo e encorajamento na caminhada frente aos desafios que a realidade nos apresenta.

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  2. Meu irmão...
    Gostei muito do texto, uma reflexão muito bem feita e uma ótima atualização... Realmente precisamos trazer nosso cotidiano pra nossa liturgia. As vezes rezamos totalmente fora da realidade, quando na verdade deveríamos rezar a vida. Que outros tenham essa percepção de nossa forma de oração. Continue escrevendo...

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